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[Resenha #12mesesdepoe] – Abril: Morella | De Olho Na Estante

Vou morrer e, no entanto, viverei.
– Morella!
– Jamais existiram esses dias em que podias amar-me… mas aquela a quem na vida aborreceste, depois de morta a adorarás.
– Morella!

E aí pessoal, hoje vamos falar sobre Morella, o quarto conto para desafio #12mesesdepoe. Narrado em um clima constantemente melancólico e com um final bem macabro, esse conto surpreende principalmente pela sutileza com a qual há a inserção de elementos, que vão pouco a pouco, construindo essa mórbida estória, permitindo ao leitor se aprofundar na trama, obtendo gradativamente suas interpretações.


Apesar de bem curtinho, o conto consegue nos prender em uma atmosfera de mistério desde seu início até o chocante e sinistro final. Aqui temos a presença de um narrador sem nome, que descreve uma série de ocorridos acerca de seu casamento com uma mulher chamada Morella, que além de muito estudiosa, mantinha um profundo interesse por escritos místicos e ocultismo. O narrador contudo,  acaba se interessando também por tais estudos, dedicando-se integralmente e junto a esposa a tais ensinamentos.

Algo que me chamou a atenção desde o início do conto, porém, foi que Poe diversas vezes “deixa no ar” algumas informações, nos fazendo pensar em mil motivos para determinado fato ter ocorrido. Isto torna-se bem claro quando no conto há a ênfase de que o narrador sem nome não era apaixonado por Morella e sim que apenas sentia-se feliz em sua companhia. Fato que nos deixa um tanto intrigados acerca do real motivo ao qual foi concretizada essa união.

Em determinada parte do conto Morella coloca suas mãos sobre a mão do marido e profere algumas palavras (que de modo assombroso remete a algo cristão; em nome de Santa Maria) e logo após isso, o narrador diz sentir como se caísse uma sombra sobre sua alma.

Além de ser um trecho muito terrível, eu senti como se Morella estivesse evocando algo, como um demônio ou um espírito. As referência utilizadas por Poe aqui são espetaculares e por demais horríveis. E com uma habilidade sem igual ele consegue nos transportar para dentro da estória, quase nos fazendo sentir o medo bem próximo.

Somos a partir daí, jogados entre detalhes de uma trama que nos envolve e ao mesmo tempo nos repele, nos faz entender e ao mesmo tempo não entender, até que a misteriosa mulher morre, no entanto, deixando um bebê. Uma filha. Fato este, que tanto para consagração e desgraça lhes vale a causa.


Análise com SPOILERS:

Passam-se alguns anos e a filha de Morella cresce; contudo, o que mais intriga o pai é a sua grande semelhança com a mãe; e tal circunstância, que de início apenas o deixava inquieto, acabou por o assombrar.

Não sei se sou só eu, mas em alguns momentos me pareceu bem estranha a relação entre a menina e o pai, como se por diversas vezes ele a desejasse , ou sentisse “algo a mais”. Ele não amava a mulher, mais amava a filha?  Parece me que sim…

Outra coisa que bastante me intriga, é que ele durante alguns anos não deu um nome a filha, sendo isto em nenhum momento do texto explicado. Eis então que ele resolve batizar a menina, dando lhe finalmente um nome.

Chegado o momento, e com início da cerimônia ele ainda se mostrava aflito acerca do nome a dar para a filha. E em meio a este momento de dúvida ele é invadido por um estranho sentimento, como se alguém sussurrasse em seus ouvidos um já tão conhecido nome. Como o próprio narrador descreve. Dando o nome da mãe à própria filha.

“Quem me impeliu então a perturbar a memória da sepultada? Que demônio me incitou a suspirar aquele som e simples lembrança que sempre fazia fluir, em torrentes, o sangue das fontes do coração? Que espírito maligno falou dos recessos de minha alma quando, entre aquelas sombrias naves e no silêncio da noite, eu sussurrei aos ouvidos do santo homem as sílabas “Morella”?

Após sussurrar o nome da falecida mulher ao “santo homem” na cerimônia de batismo, sua filha responde “Estou Aqui!” e cai morta diante de todos.

Por diversas vezes ao longo da estória, nos deparamos com momentos não completamente explicados, que ou nos abrem portas de interpretação ou nos deixam em eterna dúvida. Porém, de todos o que mais me intriga e que me fez chegar até aqui, foi o do incrível final desta sinistra trama.

Bem no final do conto, temos o narrador sem nome levando o corpo de sua recém falecida filha ao túmulo. Chegando lá, ele ri, como o próprio diz “uma risada longa e amarga, quando não achei traços da primeira Morella no sepulcro em que depositei a segunda.” Ou seja, o corpo de sua esposa já não estava mais lá. Nesse momento diversas coisas passaram pela minha cabeça, talvez para tentar encontrar alguma explicação para o desaparecimento do corpo. Como por exemplo, será que ela o tempo todo estudava ocultismo pensando em morrer mesmo, talvez em uma tentativa de apenas zombar com o marido que não a amava, só que na verdade, não morrendo e sim “transferindo” sua alma ou espírito para a filha? Mas se isso fosse realmente verdade, como pode o corpo simplesmente ter desaparecido. Ou ainda, poderia ter Morella provocado uma ilusão sem fim para com seu marido (lembrando do momento em que ela profere um macabro trecho “religioso”, e o narrador sente-se invadido por algum espírito). Ilusão esta, que desenhou todo o desfecho desta estória.

Enfim, não podemos ter certeza se tudo isso faz algum sentido ou não, porém podemos ter certeza de que mais uma vez Poe nos presenteia com um incrível conto, que apesar de bem curto, é genialmente elaborado, capaz de nos fazer pensar por horas e discutir seus múltiplos significados, eternamente…

Para ler o conto clique aqui: Morella, de Edgar Allan Poe

 

Autor:

Estudante de Engenharia. Modelo e fotógrafo nas horas vagas. Aquariano. 1998

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